Eleições e Niilismo




"O que eu narro é a história dos próximos dois séculos […] descrevo aquilo que vem: a ascensão do niilismo. Posso descrevê-lo porque aqui se passa algo necessário – os sinais disso estão por toda parte; faltam apenas os olhos para tais sinais. Aqui, não louvo, nem censuro, que ela venha; creio numa das maiores crises, num instante da mais profunda autorreflexão do homem”

– Nietzsche, Fragmentos Póstumos 1887

Niilismo é um conceito filosófico oriundo dos medievais, com grandes desenvolvimentos dentro da filosofia de Nietzsche e de Heidegger. Para o primeiro, em linhas gerais, o Niilismo é a desagregação de toda e qualquer forma de sentido. Já para o segundo, este conceito está ligado ao "esquecimento do esquecimento do ser" O que na verdade quero refletir, aqui, é como o Niilismo de Nietzsche está muito presente nas eleições.

Sem querer fazer qualquer tipo de simplismo ou filosofia pop, como nossos "Filosopops" (Carnal, Pondé e Cortela), quero apenas mostrar certa semelhança de manifestação deste conceito nietzscheano que soa tão complicado. Em outras palavras, quero mostrar como o cenário politico-eleitoral brasileiro nos permite entender melhor o niilismo.

Para Nietzsche, o Niilismo têm"certas faces": ativa, negativa, reativa e passiva. Comecemos pela última. A face passiva é o discurso que, diante da crise e da perda de sentido, acredita que não há mais nada que fazer. A face negativa é o discurso que, diante da mesma situação, lembra quão bom era o passado. A reativa é o discurso inflamado e pseudo consciente, cujo imperativo é o abandono a todas as âncoras, mas que, no fim, não passa de verborreia. E por fim, a face ativa é aquela que, em seu discurso, admite o problema, o encara e se compromete com suas consequências.

Nunca uma situação pôde, tão bem, representar e fazer manifestar o modo de conceber o niilismo nietzscheano, como o nosso cenário político-eleitoral brasileiro. Heidegger, em um de seus ensaios, tentou explicitar o niilismo por meio da interpretação da obra de Ernest Jünger denominada Der Arbeiter. Porém os presidenciáveis e seus discursos fazem muito mais que Heidegger....

O cenário político brasileiro é de total desesperança. Não precisa ir muito longe para chegar a este corolário, é só acessar qualquer meio de comunicação. Não existem mais argumentos que se pretendam ancorados a alguma realidade (metafísica ou não), a fim de estar seguros a qualquer falsificação. Seja Deus, seja a ciência, seja os valores, seja o que quiser colocar como chão ou fundo de qualquer argumento, há quem consiga mostrar seu "oco". Estamos em um cenário cujos discursos não mais estão referenciados e seus vícios falaciosos já não mais convencem.

Em linhas gerais, nosso cenário político é perfeito para evidenciar a instalação daquilo que Nietzsche disse em 1900. As eleições, hoje, são o grande cenário do "nada". E diante do nada, quatro faces, ao menos, parecem emergir

A passividade é a primeira delas: há sempre quem diga que "não gosta de política", que "não discute política", como se o ato de esconder o rosto dentro do buraco, como faz a avestruz diante do medo, garantiria alguma proteção. Outra cena bem parecida com esta é bem famosa: o que as crianças fazem nos filmes de terror quando a figura do mal (monstro, Et, zumbi, etc) aparece? Cobre-se com o lençol, como se, debaixo dele, haveria absoluta proteção. No fundo, o que importa aqui é "não ver", se não vejo, não sinto. Um antigo provérbio já dizia: "aquilo que os olhos não veem, o coração não sente". É assim que o niilismo negativo aparece na política: com aqueles que acham que, tornando-se passivos à realidade (vivendo como se nada tivesse ocorrendo), seria uma forma de se proteger debaixo de seu lençol mágico contra o monstro.

Mas há ainda a forma negativa de manifestação do niilismo. São aqueles que, de uma hora para outra, decidem que o passado sempre foi melhor e passam a investir em políticas que pretendem "resgatar", "libertar", "retomar" mais do que "propor" ou "projetar". Sobre que critérios decidem isto? Simplesmente dizendo que, se o problema é ou está no presente, o passado seria ou teria a solução. É uma esquizofrenia temporal: o presente seria solucionado pelo passado. Contudo, como isso não é possível - voltar ao passado - decide-se viver o que se "acha" que o passado foi. É a decisão de voltar a um passado que nunca existiu para viver, no presente, um futuro que nunca terá. Deixa-se de viver o presente em busca do passando e passa-se a se viver em algum tipo de passado, ainda que no presente. Resultando, com tudo isso, nenhum futuro. Um verdadeiro paradoxo temporal. É o velho discurso: "no meu tempo era assim", "temos de voltar aos velhos valores", "a família tradicional deve ser resgatada", "somente aquele candidato será capaz de solucionar todos os problemas", "só o partido tal dará conta do recado", "na época do governo tal é que era bom..." etc etc etc...

Há, também, a clássica forma reativa do niilismo que muito se assemelha às nossas redes de comunicação de massa. Elas discursam, com toda arrogância, ter consciência da crise e se mostram muito preocupadas com as possíveis soluções. No fundo, estão afundadas até o pescoço com seus discursos metafísicos e corruptos, tal como na face negativa do niilismo. Este discurso, pois, até parece convincente, quando ele dá o primeiro passo ao anunciar a morte e o vazio das propostas politicas. Ele denuncia abertamente os corruptos e se mostra preocupado com o futuro do país, já que suas denúncias evidenciam o estado calamitoso da situação. Comporta-se assim como um arauto do niilismo. Porém, tais discursos não vão muito mais do que isto. Ele, o discurso reativo midiático, também tem medo do nada e quando se depara com seu próprio niilismo, recua e volta a negá-lo, por meio de conchaves secretos com os niilistas negativos.

Ora, ainda falta aquele niilismo chamado ativo, que é representado pelo discurso da consciência da gravidade da situação e de como dolorosa são as realidades a serem enfrentadas e decidem não propor nenhum tipo de solução, mas apenas absorver os resultados e por meio deles tentar extrair o novo. Este, me parece é o único discurso que não há em nosso cenário. O niilismo ativo é doloroso pois ele requer um discurso que tenha consciência que, por um lado, certas coisas devem ser superadas e não voltam mais, por outro, certas coisas serão sempre assim. O enfrentamento do nada, do vazio e do abismo não é tão simples. Encarar que os modelos não deram certo não é tão simples assim. Reconhecer que nossa jovem democracia cometeu os erros que todo e qualquer jovem comete não é tão simples. Muitos, tentando ser niilistas ativos, conquistaram às massas. Não obstante, deixaram-se abater pelo discurso reativo e se encheram de discursos que não denunciam o vazio.

Neste sentido, o cenário eleitoral brasileiro é niilista em todos os sentidos: [1] é niilista quando promove o discurso da total passividade da participação política de seus eleitores, acreditando que indiferenciar-se é solução para não se afetar. A omissão é tão culpada quanto o culpado; [2] é niilista quando promove o discurso negativo de messianismo, tradicionalismo, conservadorismo, intolerância, progressivismo, e outros discursos que permite estrangular o tempo; [3] é niilista quando admite que as mídias manipulem as informações de tal modo que faça os eleitores acreditarem que mudanças devem ocorrer, mas, em verdade, elas estão semeando passividade e negatividade;  e [4] é niilista porque permite ver a dissolução e a própria ausência daqueles que não querem enfrentar esta dissolução. 

Estamos sim mergulhados no nada e sem esta consciência, não há nada o que fazer. O cenário político é niilista e isto não significa que precisemos de ordem (justificando um intervenção militar); muito menos significa que precisamos de velhos messias ou de novos deuses para nos regular (como o Lulismo ou o Neoliberalismo cujo deus é o mercado). Precisamos sim de uma coisa simples: saber que fazer política no Brasil, nunca foi algo verdadeiro.

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